"QUALQUER UM PODE JULGAR UM CRIME TÃO BEM QUANTO EU, MAS O QUE EU QUERO É CORRIGIR OS MOTIVOS QUE LEVARAM ESSE CRIME A SER COMETIDO." (CONFÚCIO)

sábado, 12 de março de 2011

Transação Penal vs. Presunção de Inocência



Inscrita nos artigos da Lei 9.099/95, a transação penal é o instituto jurídico através do qual, preenchidos os requisitos, o representante do Ministério Público deve[i], antes de formalizada a denúncia e o próprio processo, oferecer ao acusado a pena antecipada[ii] de multa ou restritiva de direitos em substituição à pena privativa de liberdade cominada ao delito a que se encontra submetido o sujeito. Define-se ainda, a transação penal como direito subjetivo do réu.
Os requisitos para a proposição da transação, elencados no artigo 76 da Lei 9.099 se subscrevem em não “ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva”, isto é, não ser o imputado, reincidente – fato que absorve crítica da doutrina, pois a análise da reincidência vem a se constituir como forma de bis in idem; não “ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de 5 (cinco) anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa”: e, o inciso mais conflitante dos pressupostos “não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida”.
Segundo a doutrina do professor Aury Lopes Jr.[iii], a qual nos filiamos, este inciso é o mais problemático, pelo fato de que inflige ao imputado uma afronta à presunção de inocência, haja vista que considerar fatos como avessos à uma boa personalidade e/ou conduta social moralmente aceita, sem que ao menos se tenha a firmação de um processo, é fazer um juízo de desvalor sobre o acusado, inviável à proposta. Mais adiante, se os requisitos forem cumpridos, caberá ao juiz homologar o acordo.
Ainda sobre o oferecimento da proposta de transação, se não oferecida a transação pelo Ministério Público nos casos em que a ação penal seja de iniciativa privada, ou sendo o ofendido assistente de acusação, diversamente do que vem sendo adotado, à respeito do artigo 28 do CPP - em que pese a omissão ministerial, quando o juiz poderá remeter o feito ao Procurado de Geral, para que este, se não entender igualmente ao promotor, ofereça a transação diretamente ou nomeie outro promotor para que o faça – a jurisprudência vem inovando o entendimento no sentido de ser possível a proposição de transação penal pelo ofendido.[iv]
Celeridade do procedimento à parte, quanto ao âmbito de proteção às garantias constitucionais, principalmente a do estado de inocência, a transação penal se estabelece dentro do exercício do processo penal como uma aversão ao sistema acusatório. Isso ocorre pelo fato de que é afastada a atuação do juiz, que só vem a participar do processo para homologar um acordo feito entre o acusado e o ministério público. Ademais, nesse caso, o “juiz” da causa acaba sendo o próprio parquet, na medida em que é pela falácia da imposição da suposta “negociação” que o imputado, pela sua posição inferior, vem a aceitá-la, sem que se transfira ao acordo, à vontade real do réu; este aceita o acordo até mesmo para “evitar” a carga que o processo lhe infere: em termos do estigma, há a visível rotulação do indivíduo, ainda que por crimes de bagatela e outros ditos irrelevantes.[v]
Não, há, assim, a igualdade que se faz necessária ao contraditório, pois o membro do ministério público se encontra em desproporcional posição frente ao imputado, principalmente por enterrar a teórica imparcialidade em que, conforme Aury Lopes afirma ao citar Guarnieri, “acreditar na imparcialidade do Ministério Público é incidir no erro de confiar al lobo la mejor defesa del cordero".[vi] É a esse ministério público que, segundo Zanoide, deve recair a demonstração de existência de dos indícios de autoria e materialidade suficientes à propositura da ação, para que o juiz venha a exercer um juízo de valor para a sua acepção, a que a proposta de transação estará atrelada para prosseguir.[vii]
Irreversível é, deste modo, a ofensa ao princípio da presunção de inocência, porquanto o oferecimento da transação penal pelo promotor e a sua aceitação pelo imputado se configura como a imposição de uma pena antecipada, face ao fato de que não há, como correntemente afirmado, o oferecimento e formalização da denúncia, o que acarreta uma assunção de culpa e, uma consequente condenação sem que exista o devido processo legal.



NOTAS

[i] Assim entende Antonio Scarance Fernandes: “A proposta do art. 76, quando preenchidos os requisitos legais, constitui poder-dever do Ministério Público. Não se outorgou ao promotor a faculdade de, discricionariamente, deixar de oferecer a proposta por critérios de conveniência ou de política criminal, de vez que não houve adoção do princípio da oportunidade. Assim, o “poderá” do art. 76 não representa faculdade, mas poder-dever.” In: Processo Penal Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 206
[ii] Conforme entendimento de Aury Lopes Jr. In: Direito Processual Penal: e sua conformidade constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 226.
[iii] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal: e sua conformidade constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 229.
[iv]STJ, RHC 17006/PA, Relator Min. Gilson Dipp.
[v] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal... op. cit., p. 260.
[vi] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal... op. cit., p. 258.
[vii] MORAES, Maurício Zanoide de. Presunção de Inocência no Processo Penal Brasileiro: análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 528-529.

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