"QUALQUER UM PODE JULGAR UM CRIME TÃO BEM QUANTO EU, MAS O QUE EU QUERO É CORRIGIR OS MOTIVOS QUE LEVARAM ESSE CRIME A SER COMETIDO." (CONFÚCIO)

quarta-feira, 9 de março de 2011

As recentes decisões dos Tribunais Superiores: da possibilidade de cumprimento da pena em regime inicial aberto e conversão da pena em restritiva de direitos perante a Lei 11.343/06

Recentemente, depois de reiterados conflitos jurídicos na esfera penal advindos com a edição da Lei 11.343 em 23 de agosto de 2006, o Supremo Tribunal Federal, em sede de julgamento do habeas corpus n. 97.256, entendeu, via controle incidental pela inconstitucionalidade do dispositivo previsto no artigo 33, § 4º da referida lei, que assim prescreve:
Art. 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
(...)
§ 4o  Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. (grifos nossos)

O plenário entendeu que a vedação do dispositivo quanto à conversão da modalidade de pena imposta por pena restritiva de direitos se posiciona contra a previsão das garantias fundamentais sistematizadas na Constituição Federal, como a individualização da penal, da proporcionalidade na aplicação da sanção, bem como da inafastabilidade do Poder Judiciário na resolução de conflitos.
Igualmente, segundo o Relator, Min. Ayres Brito, a Carta Magna, quando elenca as modalidades de delitos considerados hediondos em seu artigo 5º, XLIII[i], com expressa permissão à lei para “completar a lista dos crimes hediondos, a ela impôs um limite material: a não concessão dos benefícios da fiança, da graça e da anistia para os que incidirem em tais delitos. É como dizer, a própria norma constitucional cuidou de enunciar as restrições impostas àqueles que venham a cometer as infrações penais adjetivadas de hediondas. Não incluindo nesse catálogo de restrições a vedação à conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos.”[ii]
Destarte que o próprio princípio da individualização da pena[iii], prevê as medidas restritivas de direitos como modalidade de adequação da pena à pessoa do condenado, não podendo o dispositivo da lei ordinária, segundo o entendimento do insigne Supremo Tribunal, vedar à sua aplicação.
Segundo Ticiano Figueiredo[iv], a conversão da pena só seria possível para os crimes em que a pena cominada ao condenado seja igual ou inferior à 4 anos, sujeitando-se aos requisitos do artigo 44 do Código Penal[v].
Atuando conforme o posicionamento da Suprema Corte, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou pela substituição do regime inicial fechado para os crimes cometidos sob o foco da Lei 11.343/06, para o regime aberto, por ocasião da declaração incidental de inconstitucionalidade do § 4º, do artigo 33 da Lei, em sede de decisão do habeas corpus 191.046/DF.
A decisão preferiu a proteção de garantias fundamentais ao réu, tendo se firmado sobre a fundamentação de que a internação do acusado em estabelecimento prisional, para cumprimento da sanção corporal imposta, em regime mais gravoso quando de crime de lesividade menor, vem a prejudicar a recuperação do mesmo.
Ademais, com a incorporação da Lei 11.464/07 ao quadro normativo vigente, que derrogou a lei 8.072/90 no que se refere à vedação de progressão de regime, percebe-se, em parte, uma ínfima adequação aos preceitos constitucionais, que veio a propiciar uma aplicação proporcional da pena quanto à infração cometida pelo agente, face ao caso concreto, ou seja, a norma abriu margem à concessão da progressão de regime quanto aos crimes hediondos, mas em contraponto, manteve posicionamento contrário à CRFB/88, por estabelecer a manutenção do regime mais gravoso quando do início de cumprimento da pena.
Por esses motivos, decidiu a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça em favor da substituição do regime inicial de cumprimento da penal, bem como, por ter sido a pena imposta ao acusado estabelecida dentro dos requisitos previstos no artigo 44 do Código Penal, pela conversão em restritiva de direitos.
Na doutrina de Hugo Auler, citado por André Estefam, a premissa da proporcionalidade da pena é clara: “a pena é justa quando por ela se obtém o máximo de rendimento com o mínimo de sofrimento, através de um processo misto de expiação e de readaptação social”.[vi]
Desta feita, consolida-se cada vez mais na esfera de julgamentos dos tribunais superiores o entendimento no sentido de que, mesmo em delitos abrangidos pela lei de crimes hediondos (8.072/90), e pela lei 11.343/06, deve-se preferir à aplicação de medidas conforme as garantias tratadas na Constituição, por se fazer medida de afirmação do Estado Democrático de Direito, em que o cidadão que transgrida a norma seja submetido a penas que comportem a real lesividade que o delito apresenta à sociedade e ao próprio indivíduo, pois de outro modo, é inconcebível uma banalização de sanções sem a observação do contexto social e projetada nos padrões de um sistema seletivo, que se excedam em demasia à condição do acusado perante a sociedade.



[i] XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
[ii] HC 97.256/RS, Ministro Relator Ayres Brito, Plenário do STF (grifos no original).
[iii] “XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos”.
[iv] FIGUEIREDO, Ticiano. Os efeitos reflexos da decisão proferida pelo STF que permitiu a substituição da pena para os condenados por tráfico de entorpecentes. In Boletim IBCCRIM. São Paulo: IBCCRIM, ano 18, n. 216, p. 01, nov., 2010.
[v] Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998) I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998) II – o réu não for reincidente em crime doloso; (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998) III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.
[vi] AULER, Hugo. Suspensão condicional da pena. Rio de Janeiro: Forense, 1957. p. 38. Apud ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 299.

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